Ayurveda é um sistema de medicina tradicional que se desenvolveu no subcontinente indiano há cerca de 5000 anos e tem por base três pilares para uma boa saúde: alimentação, sono e harmonia com a Natureza.
Esses três pilares, chamados de trayopastambha, são o ponto de partida para uma longevidade saudável e se desdobram em uma série de recomendações sobre o que deveríamos seguir para chegar aos 100 anos sem doenças.
Neste artigo, você vai conferir tudo o que precisa saber Ayurveda, também conhecida como a ciência da vida. Continua comigo?
Medicina Ayurveda: o que é?
Como falei logo no início, Ayurveda é um sistema de medicina tradicional. Mas o que isso significa?
De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS, a medicina tradicional “é definida como a soma de saberes e práticas, explicáveis ou não, usadas no diagnóstico, prevenção ou eliminação de doenças físicas, mentais e sociais. Este conhecimento ou prática pode basear-se exclusivamente em experiência e observação transmitidas oralmente ou por escrito de geração em geração.”
Foi exatamente dessa forma que o Ayurveda se desenvolveu, sendo transmitido de forma oral, de geração em geração, até que, em meados do século I EC, passou a ser sistematizado de forma escrita, dando origem ao que hoje conhecemos como os textos clássicos do Ayurveda.
Porém, diferentemente de outros sistemas de medicina, que se tornaram obsoletos com o tempo, o Ayurveda se manteve sempre atual, chegando aos dias de hoje como um dos sistemas de medicina tradicionais mais praticados em todo o mundo.
Qual é a origem do Ayurveda?
Segundo os textos clássicos do Ayurveda, esse sistema de medicina ancestral não teve um início e jamais terá um fim, já que ele é o próprio conhecimento da vida, transmitido por Brahma, a divindade suprema.
Esses textos nos contam que Brahma lembra o conhecimento do Ayurveda e o transmite para Prajapati, conhecido como o Senhor das Criaturas. Ele também é associado ao Sol.
Prajapati, então, transmite esse conhecimento aos gêmeos Ashvins, conhecidos por serem os médicos dos deuses. Os gêmeos, por sua vez, entregam esse conhecimento a Indra, o Senhor dos Sentidos, que o transmite aos rishis ou sábios.
Os sábios, por sua vez, começam a transmitir o conhecimento do Ayurveda a seus discípulos para que eles possam curar a humanidade das doenças.
Já no campo histórico, os pesquisadores associam a origem do Ayurveda ao Atharva Veda, conhecido como o primeiro texto védico que trata sobre medicina.
Esse texto, que data aproximadamente de 2.200 AEC, traz rituais, orações e indicações de plantas para tratar doenças como febre, tosse, cólicas, doenças cardíacas e de pele, dentre muitas outras.
Particularmente, eu coincido com a explicação clássica, ou seja, de que o Ayurveda é lembrado por Brahma. Afinal, a vida sempre esteve presente no Universo. Portanto, o conhecimento da vida sempre esteve aqui.
O que significa Ayurveda?
A palavra Ayurveda tem origem na junção de duas palavras em sânscrito: ayus e veda. Ayus significa vida e veda significa conhecimento. Portanto, o Ayurveda é o conhecimento da vida — em todas as suas expressões.
Algumas pessoas traduzem Ayurveda como “ciência da vida”. Particularmente, não gosto muito dessa definição porque nosso entendimento moderno de ciência está muito aquém da profundidade dessa sabedoria milenar. Por isso, prefiro definir Ayurveda como o conhecimento da vida.
Ayus vem da raiz in gatau, que significa aquilo que vai ou desaparece. Nesse sentido, podemos compreender que a vida é limitada, ou seja, um dia ela termina. Logo, praticar o Ayurveda é buscar formas de estender essa vida o máximo possível, de forma saudável, útil e, principalmente, feliz.
Veda, por sua vez, vem da raiz vid, que significa saber. Esse saber tem quatro dimensões:
- Sattayam vidyade: aquele que existe. Em outras palavras, aquilo que pode ser experienciado.
- Vetti jñana: aquilo que pode ser conceituado. Ou seja, aquilo que podemos elaborar conceitualmente em nossas mentes.
- Vinte vicharane: aquilo que pode ser analisado. Isto é, não é apenas uma questão de fé, mas de provar por si mesmo que funciona.
- Prapti (vinte vintati praptou): aquilo que pode ser atualizado a partir das experiências.
Isso significa que Ayurveda não é um conhecimento estático, mas sim um processo, tal qual a vida.
Você experimenta o Ayurveda, elabora essa experiência na sua mente, analisa os resultados dessa experiência e atualiza o conceito. É por essa razão que o Ayurveda continua sendo tão eficaz quanto há 5 mil anos.
Para que serve a Medicina Ayurveda?
A Medicina Ayurveda é um sistema de cura natural e integrativo, que compreende cada ser humano como único. Nesse sentido, ela considera as dimensões física, mental, espiritual e social de cada pessoa na busca pela saúde plena.
Com base nesse entendimento, o Ayurveda se subdivide em áreas de conhecimento, assim como a medicina moderna. Essencialmente, temos oito áreas principais, chamadas de ashtangas. São elas:
- Kaya chikitsa: clínica geral ou tratamento do corpo
- Bala chikitsa: pediatria e ginecologia
- Graha chikitsa: psicologia e psiquiatria
- Urdhvanga chikitsa: otorrinolaringologia e odontologia
- Shalya chikitsa: cirurgia
- Damshtra chikitsa ou Agada Tantra: toxicologia
- Jara chikitsa ou Rasayana: geriatria e gerontologia
- Vrsha ou Vajikarana: saúde sexual e reprodutiva
Como você pode ver, o Ayurveda é um sistema de medicina tão estruturado quanto a medicina alopática. Portanto, serve ao mesmo propósito: manter as pessoas saudáveis.
Qual a diferença entre o Ayurveda e a medicina moderna?
A diferença entre o Ayurveda e a medicina moderna é que o Ayurveda trata o ser humano de forma integral, considerando suas dimensões física, mental, espiritual e social. E, mais do que isso, entende o organismo humano como um sistema complexo e interdependente.
Já a medicina moderna compartimentaliza o entendimento da saúde humana, subdividindo-se em especialidades que muitas vezes não conversam entre si.
Além disso, a medicina alopática também busca a hiperespecialização em determinados conhecimentos, enquanto o Ayurveda tem uma visão holística sobre os processos humanos de saúde e doença.
Ayurveda e os doshas
O Ayurveda ficou amplamente conhecido por ter uma visão diferenciada do funcionamento do corpo humano, tendo por base os equilíbrios e desequilíbrios dos doshas — muitas vezes chamados de humores.
Os doshas são responsáveis por todo o funcionamento do corpo humano, desde o movimento de abrir e fechar os olhos até o complexo processo de digestão e metabolismo.
Quando equilibrados, eles dão suporte ao corpo, garantindo saúde e longevidade. Por outro lado, quando desequilibrados, provocam doenças.
De acordo com os textos clássicos do Ayurveda, existem cinco doshas: três doshas do corpo e dois da mente.
Os doshas do corpo são vata, pitta e kapha. Os doshas da mente são rajas e tamas. Estes doshas são formados por uma combinação de cinco elementos, chamados panchamahabhutas.
Vata dosha é formado por akasha (éter) e vayu (ar); pitta dosha é formado por agni (fogo) e jala (água) e kapha dosha é formado por jala (água) e prthvi (terra).
Rajas, por sua vez, é caracterizado pelo movimento, portanto, tem semelhança com vata dosha. Tamas segue o oposto, sendo comparado ao princípio de inatividade. Logo, tem semelhança com kapha dosha.
Quando há um desequilíbrio acentuado dos doshas no corpo, as doenças se manifestam nos dhatus, ou tecidos corporais, provocando sintomas.
Desse modo, a partir dos sintomas, podemos identificar qual ou quais doshas estão desequilibrados e assim aplicar terapias ayurvédicas para devolvê-los ao seu equilíbrio.
Como é a alimentação ayurvédica?
Muitas pessoas se interessam pela alimentação ayurvédica por se tratar de uma abordagem natural, baseada no conhecimento dos rasas ou 6 sabores.
Além disso, o Ayurveda também privilegia alimentos naturais, sazonais e de acordo com a prakrti de cada pessoa, isto é, sua constituição natural. Portanto, a alimentação ayurvédica também acaba se tornando personalizada.
Outro ponto importante da alimentação no Ayurveda é que, de acordo com o Charaka Samhita, uma pessoa saudável deveria se alimentar duas vezes ao dia, enquanto uma pessoa enferma deveria se alimentar apenas uma vez ao dia.
Essa orientação se deve ao fato de que a digestão da refeição anterior deve ter sido feita antes que você se alimente novamente. Caso contrário, você pode prejudicar o seu agni ou poder digestivo.
Acho importante destacar aqui que a alimentação Ayurveda não é dieta, na acepção moderna deste termo. A escolha dos alimentos tem o objetivo de promover a saúde, não apenas a perda de peso.
Também é importante destacar que o Ayurveda não proíbe o consumo de carne, seja de qualquer tipo. Na verdade, ele indica o consumo de carne de animais como tratamento para vários desequilíbrios de saúde.
Contudo, o Charaka Samhita nos alerta que a pessoa que consome carne de outros animais arcará com as consequências de seus atos nas vidas futuras.
Uma vez que você passa a se alimentar de forma apropriada, seguindo as orientações do Ayurveda para o seu biotipo, os benefícios vão surgindo naturalmente. Mas quais benefícios são esses?
Quais são os benefícios do Ayurveda?
Como você viu anteriormente, o Ayurveda é um sistema de medicina integrativo, que leva em consideração não só a pessoa, como o seu meio ambiente também. Nesse sentido, ele proporciona benefícios físicos, mentais, espirituais e psicossociais, como você vê a seguir:
Alimentação saudável
A alimentação Ayurveda deve ser feita de acordo com o seu ambiente, respeitando os alimentos disponíveis a cada estação e, claro, sua constituição natural, ou prakrti.
Além disso, uma alimentação equilibrada deve levar em consideração os seis rasas (sabores) e como eles influenciam a dinâmica dos doshas em nosso organismo.
Também devem ser observadas as misturas de alimentos, já que algumas combinações podem ser tóxicas para o organismo. Por exemplo, carne com leite e derivados ou mel quente. A esse tipo de alimento, chamamos viruddha ahara.
Atuação preventiva
Outro benefício do Ayurveda é que ele tem atuação preventiva. Ou seja, não precisamos esperar ficar doentes para aplicá-lo em nossas vidas.
Seguindo as orientações do Ayurveda podemos evitar doenças, aumentando, assim, a nossa saúde, qualidade de vida e longevidade.
E dando um spoiler para você, isso passa diretamente por mudanças de hábitos alimentares e de estilo de vida.
Tratamentos naturais
Os tratamentos ayurvédicos são, majoritariamente, realizados por meio do uso de plantas medicinais e mudanças de hábitos alimentares e estilo de vida.
Os tratamentos fitoterápicos e alimentares, isto é, baseados em vegetais, animais e minerais, têm por base um conhecimento aprofundado de cada substância utilizada, o qual chamamos de dravyaguna.
Essa característica torna a terapia Ayurveda uma grande aliada de quem deseja ter mais saúde de forma simples e natural, sem a necessidade de recorrer a medicamentos sintéticos.
Baixo custo
Embora muitas vezes pareça que o Ayurveda é algo restrito às elites, a verdade é que os tratamentos ayurvédicos são bastante acessíveis financeiramente.
Tudo o que você precisa é encontrar uma terapeuta ayurvédica que consiga traçar pontes entre os conhecimentos do Ayurveda e outros sistemas de medicina tradicionais, como a Medicina Andina ou a Medicina Tradicional Brasileira, para evitar ficar importando medicamentos da Índia.
Facilidade de aplicação
É fato que os textos clássicos do Ayurveda trazem algumas possibilidades de tratamento que são inviáveis no mundo moderno. Exemplo disso são as terapias de rasayana em kutipraveshikas (espécie de isolamento terapêutico).
Contudo, os sábios que desenvolveram este conhecimento sabiam que nem todas as pessoas poderiam fazer esse tipo de tratamento. Por isso, existem inúmeras alternativas que podem ser facilmente aplicadas em casa.
Tratamentos personalizados
Diferentemente da medicina moderna, que se baseia em tratamentos genéricos para a maioria da população, o Ayurveda se baseia no indivíduo. Isso significa que duas pessoas com a mesma doença serão tratadas de modo distinto.
Essa abordagem personalizada leva em consideração fatores como sexo, idade, local de residência, rotina diária e quaisquer outros elementos que possam influenciar o tratamento.
Desse modo, podemos considerar o Ayurveda como um sistema de medicina de precisão, pois respeita a individualidade de cada pessoa, desenvolvendo uma abordagem terapêutica única.
Cura integral
Quando veio para o Ocidente, o Ayurveda sofreu muitas interpretações equivocadas. Além disso, existe uma pressão mundial, eu diria, para compará-lo à medicina moderna, extremamente racionalista.
No entanto, na origem do Ayurveda não havia distinção entre ciência e espiritualidade. Logo, ele não visa apenas a saúde física, como muitas pessoas apregoam.
O Ayurveda se ocupa da saúde integral. E isso pressupõe mente, corpo e espírito. Não é à toa que existem textos que se dedicam integralmente à cura espiritual de inúmeras doenças.
Além disso, os clássicos ayurvédicos, como o Charaka Samhita, também falam da importância dos rituais e da prática espiritual para a manutenção de uma boa saúde.
Como funciona a terapia Ayurveda na prática?
As terapias ayurvédicas são classificadas em três tipos: nidana parivarjana, shamana chikitsa e shodhana chikitsa.
Em nidana parivarjana, buscamos identificar hábitos de vida e alimentação que possam estar provocando determinado desequilíbrio. Então, orientamos a paciente sobre como realizar mudanças de alimentação e estilo de vida para acabar com a causa do problema.
Na segunda etapa do tratamento Ayurveda, que chamamos shamana chikitsa, procuramos apaziguar os doshas desequilibrados. Isto é, devolvê-los ao seu estado normal.
Isso pode ser feito por meio de terapias como abhyanga (oleação), massagens, cataplasmas, banhos de assento, chás de ervas, pomadas, tinturas, dentre muitas outras.
E na terceira etapa, que conhecemos como shodhana chikitsa ou panchakarma, o intuito é expulsar os doshas desequilibrados do organismo da pessoa.
Como o próprio nome sugere, o panchakarma é dividido em cinco terapias:
- vamana (êmese terapêutica)
- virechana (purgação)
- basti (enema)
- nasya (oleação nasal)
- raktamokshana (venessecção).
Perceba que no panchakarma expulsamos o excesso de doshas no corpo. Portanto, esse tipo de tratamento só deve ser adotado quando há desequilíbrios muito profundos no organismo.
Dentro de cada uma dessas categorias temos várias terapias que podem ser aplicadas, a depender de cada caso. Por isso, é sempre importante consultar uma terapeuta Ayurveda qualificada para analisar o seu contexto e saúde.
Quem pode exercer a Medicina Ayurveda?
Atualmente, a Medicina Ayurveda pode ser praticada por dois tipos de profissionais: os vaidyas, ou médicos ayurvédicos, e os terapeutas ayurvédicos.
Para se tornar vaidya, a pessoa precisa cursar o BAMS – Bachelor of Ayurveda Medicine and Surgery (Bacharelado em Medicina Ayurveda e Cirurgia). Essa formação tem duração de 5 anos e meio e só pode ser feita em universidades da Índia, Paquistão e Sri Lanka.
Nela, você estuda tanto a medicina moderna quanto o Ayurveda, estabelecendo pontes entre esses sistemas de medicina para uma atuação integral.
A segunda possibilidade de trabalhar com Ayurveda é se tornar terapeuta. Essa formação exige apenas ensino médio completo e, aqui no Brasil, cada escola estabelece suas regras. Logo, existem formações de 6 meses, um ano, dois anos e até cinco anos.
A diferença entre elas é o tempo de contato e estudos que você tem. Afinal, como um sistema de medicina, o Ayurveda merece toda uma vida de estudos e atualizações para que você o pratique com toda a qualidade e responsabilidade que os seus futuros pacientes merecem.
Espero que este artigo tenha te ajudado a conhecer melhor a Medicina Ayurveda e tudo o que ela tem a oferecer.
Caso você queira dar continuidade ao seu estudo de Ayurveda, te convido a assinar a minha newsletter e receber conteúdos como este diretamente no seu e-mail.
Um forte abraço e a gente se vê no próximo artigo.
Eve.