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Desde que o mundo é mundo e os primeiros seres humanos passaram a habitar a Terra, existiu uma profissão que perdura até hoje: a das parteiras, mulheres que dedicam suas vidas a trazer outras vidas ao mundo.

Historicamente, podemos rastrear a presença de parteiras desde a Era Paleolítica (40.000 a.C.), cerca de 10.000 anos antes da cirurgia mais antiga já registrada. Ou seja, a presença das mulheres na medicina tradicional é fato histórico.

Muitos milênios mais tarde, na cultura kemética (egípcia) e greco-romana (3.500 a 300 a.C), as mulheres exerciam a profissão de obstetrícia e ginecologia de forma remunerada, sendo reconhecidas por suas habilidades e conhecimentos sobre a medicina.

Mas, a partir de 300 a.C., aproximadamente, as coisas começaram a mudar. E uma posição que foi ocupada por milênios por mulheres sábias, conectadas à Natureza e à sabedoria ancestral, passou a ser ocupada por homens, que pouco ou nada sabiam a respeito do corpo feminino.

Se você leu o artigo “Existe Ayurveda sem misticismo?”, talvez se lembre que foi mais ou menos nesta mesma época que se iniciou o período dos samhitas, isto é, da codificação dos clássicos ayurvédicos, que deixaram de lado o papel importantíssimo de uma classe de trabalhadoras que resiste bravamente ao tempo e ao esquecimento: as dais.

Dais: as parteiras indianas

Dai é o nome dado às parteiras tradicionais indianas. Mulheres que vêm de longa tradição, que não fazem apenas partos, mas trabalham ativamente na prevenção de doenças como HIV, no planejamento familiar e na prevenção de riscos durante a gravidez.

Mulheres que carregam conhecimentos tão profundos quanto os expostos nos samhitas, dando orientações sobre dieta, estilo de vida e cuidados antes, durante e após a gravidez.

Elas também tratam infecções, distúrbios menstruais, anemia e doenças do sistema reprodutor feminino.

Sabem que tipo de alimento a mãe deve receber para conceber filhos saudáveis e evitar náuseas, vômitos e indigestão durante a gravidez.

Também têm conhecimento sobre plantas medicinais e seus usos, além de técnicas para saber quando acontecerá o parto ou para estimular as contrações quando necessário.

Seus conhecimentos de contracepção são baseados em plantas mencionadas nos mesmos clássicos ayurvédicos com os quais estamos acostumados.

Sua orientação para o parto é de uma posição reclinada ou agachada, a mesma que os povos originários da América do Sul recomendam, por respeitar a anatomia da mulher e facilitar a saída do bebê.

Além disso, realizam rituais para proteção da mãe e do bebê, para que o parto seja tranquilo e para que nenhum mal ocorra durante a gravidez. Ou seja, estão em conexão não só com a técnica, mas com a Força Superior que nos anima.

As dais também dão os primeiros cuidados aos bebês, ensinando às mães o que fazer quando há cólicas, constipação, diarreia, vermes ou tosse.

Desenvolvendo um laço familiar com cada membro da comunidade, elas são carinhosamente chamadas de avós e são a voz da ancestralidade feminina que, pouco a pouco, foi sendo calada por uma sociedade dominada por homens.

O sistema de guru-shishya parampara das dais

Como não são alfabetizadas, todo o conhecimento das dais é compartilhado de mulher para mulher, com mães, avós e tias ensinando a filhas, netas e sobrinhas sobre a arte da cura e do parto humanizado.

Se você estuda Ayurveda, assim como eu, conhece o termo guru-shishya parampara, isto é, de mestre para discípulo. Com as dais, não é diferente.

As mulheres mais velhas levam consigo as mais jovens para realizar atendimentos e repassar seu conhecimento de forma prática, perpetuando, assim, essa tradição milenar.

Qualquer semelhança com a dinâmica apresentada no Charaka Samhita — diálogo entre guru e discípulo — não é mera coincidência.

Dais como agentes de educação em saúde

As dais também atuam como agentes de educação em saúde, ensinando às meninas e mulheres sobre o ciclo menstrual e cuidados de higiene, uso de absorventes — ou, em muitos casos, panos menstruais, pela falta de acesso a absorventes.

Como não poderia deixar de ser, sua presença é notada em áreas rurais, onde a medicina moderna não chega como deveria. Nesse sentido, elas se tornam uma presença fundamental em suas comunidades e, muitas vezes, a única fonte de conhecimento sobre saúde em muitos quilômetros.

Elas conscientizam sobre a importância da vacinação e da higienização de utensílios para evitar doenças. Falam a respeito da vida e da morte, da alegria e da tristeza, da saúde e da doença.

A importância das dais na modernidade

Você pode estar aí pensando que, diante da modernidade, não existe mais espaço para as dais — ou parteiras de qualquer localidade no mundo. 

Afinal, com hospitais tão modernos e bebês sendo fabricados em úteros artificiais, como uma mulher com conhecimentos de milhares de anos pode contribuir para um parto ou para a saúde feminina?

Pois bem, eu te respondo em dados.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 1 a cada 5 mulheres dá à luz sem qualquer assistência médica no mundo. 2,4 milhões de bebês recém-nascidos morrem em decorrência da falta de cuidados antes, durante e após o parto. Aproximadamente 810 mulheres morrem durante o parto a cada dia. São 295.650 mulheres a cada ano.

Em contrapartida, investir na formação de parteiras até 2035 poderia salvar 4,3 milhões de vidas por ano — de mães e bebês.

Até lá, o mundo estará sofrendo com a falta de cerca de 900.000 profissionais de obstetrícia. Obviamente, os países que mais sofrerão com esse problema são os mais pobres, onde a presença de parteiras pode reduzir em até 50% a taxa de mortalidade materna.

A atuação das parteiras ajuda a reduzir as taxas de cesariana, assim como a mortalidade neonatal. Também contribui para a saúde mental da gestante e para a recuperação da mesma após o parto.

Como agentes de educação em saúde, as parteiras contribuem, ainda, para a adoção de métodos contraceptivos naturais, reduzindo o número de gestações indesejadas e conscientizando meninas e adolescentes sobre a relação com o próprio corpo e o ciclo menstrual. Consequentemente, elas contribuem para a formação de mulheres mais conscientes de si, mais saudáveis e com mais autonomia.

Não sei você, mas segundo a minha mãe, eu cheguei ao mundo pelas mãos de uma parteira. E hoje, mais do que nunca, agradeço pela tradição, pela medicina ancestral e por ainda termos mulheres realizando essa missão de vida.

A pergunta que fica é até que ponto o conhecimento ancestral trazido pelas mulheres foi utilizado e propagado dentro do Ayurveda sem considerá-las, destituindo-as de seu lugar de direito por não fazerem parte de castas mais altas ou pelo simples fato de serem mulheres.

Espero que você tenha gostado do artigo e nos vemos em breve.

Com amor,

Évelim.

Évelim Wroblewski

Évelim Wroblewski é terapeuta ayurveda especializada em ginecologia ayurveda (striroga) pelo Instituto Adhipati e Sankarakripa Arogya Nikethanam, terapeuta da ginecologia natural pela escola Curandeiras de Si, e possui Formação em Medicina e Herbolaria Tradicional Andina pelo Instituto de Arte, Cultura, Ciência e Tecnologia Indígena de Santiago em parceria com a Escola de Medicina Andina.

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