Sempre que pensamos em doshas no Ayurveda, é comum lembrarmos do quanto vata dosha pode ser incômodo. Afinal, segundo o Charaka Samhita, as doenças que ele pode provocar são incontáveis.
Mas o que nem sempre paramos para pensar é que sem ele, nossa vida não existiria. Vata dosha é a representação do movimento da prakrti em nosso corpo. Logo, é o responsável por todas as transformações que ocorrem dentro dele.
Sem transformação, nosso corpo é incapaz de se manter vivo. Portanto, a importância de vayu é a manutenção da nossa própria existência.
Mais do que isso: vata também é responsável por dar início aos nossos processos mentais. Dentro dessa perspectiva, sequer conseguimos ser funcionais no mundo sem que ele esteja devidamente equilibrado.
Neste artigo, vamos explorar em profundidade essa entidade chamada vata dosha ou vayu, e como ele afeta a nossa existência. Continua comigo?
Vata dosha: os nossos ventos internos
De acordo com o Charaka Samhita, “vayu é o élan vitae, a força, o sustentador dos corpos dos seres vivos, é onipresente e reputado como o controlador de tudo no Universo”.
No comentário de Chakrapani, vamos um pouco mais a fundo na importância de vata dosha. Ele diz: “Ayus, ou élan vitae, é a união do físico, dos sentidos, da mente e da Alma”.
Nesse sentido, Chakrapani compara vayu, que é outro nome utilizado para definir vata dosha, como a própria vida, o Ayus que compõe a palavra Ayurveda, a força vital que anima todos os seres vivos.
Sendo substrato da matéria, vayu é a base da força de todos os seres vivos, sem a qual não poderíamos realizar quaisquer tarefas. Tampouco poderíamos perceber o mundo ao nosso redor sem a existência dele.
Ter consciência da magnitude da importância de vata dosha para a manutenção da vida deveria ser uma premissa básica para qualquer pessoa que se proponha a realizar um tratamento ayurvédico, seja paciente ou terapeuta.
Isso porque estamos lidando com os fundamentos da existência humana. E veja bem: não se resume ao corpo físico. Estamos falando da totalidade do ser.
As subdivisões de vata dosha
Assim como kapha e pitta, vata dosha é dividido em cinco categorias: prana, udana, vyana, samana e apana vayu. Cada um desses “ventos” cumpre uma função específica dentro do nosso organismo e comanda certos processos.
Eles também interagem entre si e com as subdivisões de kapha e pitta dosha, criando um sistema complexo de funções biológicas lideradas por três elementos principais: ar (vata), fogo (pitta) e água (kapha).
Prana vayu
Prana vayu é a entidade responsável por todas as ações que envolvem o ar na parte superior do nosso corpo, isto é, respiração, espirro, arroto, cuspe e deglutição dos alimentos. Ele se localiza na cabeça, garganta, língua, boca, nariz e peito.
Udana vayu
Udana vayu trabalha em relação direta com prana vayu e é responsável pela fala, esforço, entusiasmo, força e compleição. Ele se localiza na garganta, peito e umbigo.
Samana vayu
Samana vayu é a subdivisão de vata dosha que atua diretamente na digestão, trabalhando em conjunto com pachaka pitta e kledaka kapha.
Sua localização fica próxima ao jatharagni, o nosso principal agni. Além disso, ele penetra pelos canais de eliminação do suor, pelos canais de circulação dos doshas e também pelos canais de circulação de água do nosso corpo.
É por isso que qualquer desequilíbrio em samana vayu afeta rapidamente a digestão e se espalha por outros locais do nosso corpo.
Vyana vayu
Vyana vayu está presente em todo o nosso organismo e move-se muito rápido. Dessa forma, é o responsável por movimentos como piscar os olhos, contrações musculares e reações repentinas.
Apana vayu
Apana vayu, por sua vez, está localizado na região urogenital, compreendendo o umbigo, útero, ovários, bexiga urinária, ânus, cólon, pênis e testículos.
Ele é o responsável pelas funções de eliminação do nosso corpo, seja de urina, fezes, menstruação ou sêmen.
Para as mulheres, ter um apana vayu em equilíbrio é essencial na prevenção de doenças ginecológicas.
Quando diagnosticamos um desequilíbrio de vata dosha, temos que compreender qual — ou quais — dessas subdivisões está desequilibrada. Por isso, é fundamental entender quais são suas funções e como elas se relacionam não só entre si, mas também com as subdivisões de pitta e kapha dosha.
As propriedades de vata dosha e suas influências no mundo interno e externo
Uma das perguntas que a maioria das pessoas faz em relação ao Ayurveda é como os sábios e sábias de milhares de anos atrás tinham um conhecimento tão detalhado do corpo dos seres vivos. E a resposta é uma só: eles aprendiam com a Natureza.
Perceba que os doshas representam elementos que são abundantes nela: ar, fogo e água. Mas existem outras propriedades que podemos perceber e que também devem ser observadas em nossos corpos.
Quando o assunto é vata dosha, o Charaka Samhita lista seis propriedades:
- secura;
- leveza;
- frieza;
- instabilidade;
- aspereza;
- não-viscosidade.
Quando essas propriedades se apresentam de uma forma acentuada, como uma pele seca ou perda de peso repentina, é sinal de que vata dosha está em desequilíbrio.
O contrário também pode acontecer: uma pele muito oleosa ou o ganho de peso repentino podem indicar uma deficiência de vata dosha no organismo.
Esses são exemplos de influência do vata dosha no mundo interno, isto é, nosso corpo. Mas o Charaka Samhita também aponta as influências de vata dosha no mundo externo, ou seja, na Natureza.
Esse comparativo não é à toa. As civilizações antigas, assim como os povos originários, não se viam — e não se veem — apartados da Natureza.
Pelo contrário, veem-se como um reflexo Dela. Um microcosmos dentro de um macrocosmos. Portanto, tudo o que acontece fora de nós, acontece dentro de nós.
E quais são os sinais de um vata dosha desequilibrado na Natureza? Inundações, terremotos, erupções vulcânicas, incêndios… tudo o que temos visto com cada vez mais frequência.
O que agrava vata dosha, afinal?
O princípio básico de vata dosha é o movimento. Nesse sentido, qualquer tipo de estagnação ou aprisionamento desse movimento pode gerar desequilíbrios profundos.
Isso pode se dar de inúmeras maneiras. Desde segurar aquele xixi enquanto não chega em casa, até não nutrir sua mente de novos conhecimentos.
O contrário também é verdadeiro: forçar-se a fazer xixi antes de sair de casa sem que você esteja com vontade de urinar, bem como o excesso de informações sem um propósito, também podem agravar vata dosha.
É claro que a alimentação joga um papel determinante nessa equação. Nesse sentido, alimentos que possuem propriedades amargas, picantes ou adstringentes são as principais causadoras de agravamento de vata.
Mas também podemos citar a falta de untuosidade, de viscosidade e de peso como fatores que potencialmente agravam vata dosha.
Por essa razão, a melhor forma de se alimentar é mantendo refeições equilibradas, que tragam variedade ao prato e promovam saciedade.
Outro ponto fundamental para o equilíbrio de vata dosha é uma rotina de sono. Dormir é essencial para reparar o nosso organismo do desgaste diário, seja físico ou mental.
Portanto, quando não respeitamos essa necessidade básica do nosso corpo, afetamos o funcionamento de vata dosha, que passa a se comportar de forma agravada, gerando outros problemas, como dores de cabeça, irritação, tremores, entre outros.
Poderia continuar por páginas e páginas citando tudo o que agrava vata dosha. Mas o objetivo aqui não é dar um curso escrito sobre doshas. É te dar a noção da importância de entender os processos envolvidos e como eles afetam o nosso dia a dia e a nossa saúde.
Como equilibrar vata dosha?
Eu poderia dizer para você comer alimentos doces, azedos e salgados, fazer musculação e inserir o abhyanga (oleação) na sua rotina diária. Contudo, essas indicações só podem ser feitas depois de uma análise completa de quem você é e quais desequilíbrios estão afetando o seu corpo.
Por isso, prefiro dizer que o equilíbrio de vata dosha está em saber levar a vida com mais leveza e fluidez.
Crie uma rotina que te possibilite dormir cedo, entre 21h e 22h, e despertar entre 5h e 6h.
Guarde nem que seja 5 minutinhos do seu dia para fazer um exercício de respiração profunda, inalando e exalando o ar de forma lenta e ritmada. Se for possível, faça isso por 10 ou 15 minutos.
Desenvolva o hábito de descansar física e mentalmente, deixando de lado notebook, celular e televisão. Leia um bom livro.
Escolha alimentos que nutrem o seu corpo, não aqueles que enchem o seu estômago.
Prefira sempre frutas, verduras, legumes, feijões, lentilhas, raízes… O Brasil é um país abençoado com fartura de alimentos que vêm da terra. Valorize isso.
Entre o sucesso pregado pelo mercado e a paz, escolha sempre a paz. Nenhum título, nenhum número de seguidores, nenhuma quantidade de likes nas redes sociais valem a perda da sua tranquilidade.
Traga a felicidade para o seu dia a dia. Aprenda a reconhecer as pequenas coisas, como a visita de um passarinho diferente ou o desabrochar de uma flor.
Diante de uma dificuldade, fique e flua. Flua como o ar, como vayu, que não se abala pelos obstáculos da vida, que aprende a contorná-los.
Espero que este artigo tenha te dado uma visão um pouco diferente do que vemos por aí em relação ao vata dosha e ao Ayurveda, como um todo. E que ele possa te inspirar a criar uma vida mais leve e fluida, mesmo em meio ao caos da nossa sociedade atual.
Um forte abraço e a gente se fala no próximo artigo.
Eve.