Quantas vezes você já se sentiu impotente diante de uma questão ginecológica, como candidíase, por exemplo?
E quantas vezes você já deixou um consultório ginecológico com a sensação de ter perdido tempo — e dinheiro — por sair de lá sem uma solução definitiva?
E quantas vezes você já se sentiu invalidada ao falar sobre sobre suas emoções, dificuldades e desequilíbrios de saúde?
Eu já passei por essas situações inúmeras vezes. E a sensação é sempre de que somos culpadas por adoecermos, mesmo sem sabermos o que de fato está acontecendo com nossos corpos.
Não bastasse isso, somos diariamente bombardeadas com conteúdos na internet nos dizendo o quanto somos falhas, desleixadas e procrastinadoras.
Afinal, é muito simples ter uma saúde de ferro, você é que não faz o que deveria ser feito, certo?
A nossa já conhecida Síndrome de Eva, que nos diz que se algo ruim aconteceu, a culpa é da mulher.
Mas hoje eu quero te mostrar um outro olhar sobre tudo isso. Continua comigo?
Doenças ginecológicas: por que elas acontecem?
De acordo com o Charaka Samhita, Chikitsa Sthana, capítulo 30, sloka 115, uma mulher nunca sofre de doenças ginecológicas, exceto como resultado do agravamento de vata dosha.
E o que é vata dosha? O Charaka Samhita nos explica lindamente:
“vayu é o élan vital, vayu é a força, vayu é o sustentador do corpo dos seres vivos, vayu é onipresente e é reputado como o controlador de todo o universo”
Ca. Ci. 28:3
No comentário de Chakrapani a este sloka, vamos um pouco mais a fundo: “vayu é o substrato do corpo. Ele constitui a base da força. Por isso, vayu é descrito como bala”.
Vayu ou vata, é o sustentador dos seres vivos, o substrato do corpo, a força conhecida como bala. Ou seja, as doenças ginecológicas acontecem quando a base que sustenta a vida está desequilibrada. Mas que bases são essas?
Entendendo as bases das doenças ginecológicas
A hierarquia das necessidades de Maslow, uma teoria psicológica proposta em 1943 por Abraham Maslow, já dizia que todo ser humano tem cinco categorias de necessidades.
A mais fundamental de todas, a das necessidades básicas, diz que precisamos de alimento, bebida, sono e funções básicas do organismo, como respirar, digerir e eliminar excretas.
O segundo nível dessa hierarquia nos fala que precisamos de segurança. Não só no âmbito coletivo, mas também familiar.
No terceiro nível da pirâmide de necessidades vêm os aspectos sociais. Aqui entram os relacionamentos em geral, sejam amorosos, de amizade, familiares ou profissionais.
Subindo mais um degrau, temos as necessidades de estima. Aqui entram a autoestima, o reconhecimento do outro sobre nós, a valorização no trabalho, o lugar que ocupamos no mundo.
No topo dessa hierarquia, temos a autorrealização. Ou seja, o sentimento de autovalor, de sucesso, de felicidade plena.
Explicado isso, vamos a alguns fatos, muitas vezes ignorados, mas, na maioria das vezes, deliberadamente deixados de lado.
Os fatos que (quase) ninguém leva em consideração
Dos cerca de 690 milhões de pessoas que passam insegurança alimentar no mundo, 60% são mulheres e meninas. Até 2030, 340 milhões de mulheres e meninas estarão vivendo em situação de pobreza extrema.
Lembra da necessidade básica de alimento? A falta de alimento adequado leva à perda de tecidos, que leva ao agravamento de vata dosha. Logo, ao desenvolvimento de doenças ginecológicas.
Vamos falar de segurança? Só no Brasil, a cada 6 horas, uma mulher é assassinada. São 4 mulheres por dia, 28 por semana, 1.456 por ano. Tudo pelo simples fato de serem mulheres.
Estima-se, ainda, que 35% das mulheres de todo o mundo sofram agressões sexuais ao menos uma vez na vida. No Brasil, a cada minuto, duas mulheres são estupradas. Em sua maioria, por pessoas da própria família.
É possível se sentir segura em algum lugar? É possível ter a psique em equilíbrio?
Se só por um segundo você pensou “não”, então está um pouco mais próxima ou próximo de entender de onde as doenças ginecológicas vêm. Mas não para por aí, é claro.
Mesmo tendo mais anos de estudo, nós, mulheres, continuamos ganhando 25% menos do que homens. Por quê?
Porque nós menstruamos, engravidamos, parimos, choramos, rimos, nos divertimos. Não importa, somos mulheres e isso nos define como menos capazes — inclusive os Samhitas trazem essa ideia.
Conseguimos relacionamentos saudáveis? Às vezes, sim. Na maioria das vezes, não.
Sonhamos em sermos amadas por quem somos, por aquilo que fazemos, por nossas realizações pessoais, por nossa contribuição para um mundo melhor. Mas o que realmente importa para a sociedade atual?
O status, o dinheiro, o corpo moldado por cirurgias plásticas, o quanto podemos dar sem receber nada em troca. O quanto podemos exaurir o nosso élan vital, o nosso vayu, sem reclamar.
Só para você ter uma ideia, em 2022, dedicamos 9,6 horas semanais a mais do que os homens para os cuidados domésticos. Isso representa 499 horas a mais por ano — cerca de 2,5 meses a mais de trabalho não remunerado.
Eu poderia continuar aqui por muitas e muitas páginas ainda, falando das mulheres que andam 20, 30 km por dia em busca de água para beber, do quanto temos nossas capacidades subestimadas, das pequenas violências que sofremos todos os dias, dos 286 anos que nos separam da igualdade de gênero.
Mas acredito que já deu para ter uma ideia de onde quero chegar com isso. E se você acha que acabou, respira fundo, porque tem mais.
O que mais agrava o vata dosha?
Lembra que vayu é o substrato da psique? Pois bem, o estado de alerta constante em nossas mentes, a pressão por uma performance perfeita no trabalho, a comparação diária com corpos irreais na televisão e internet, tudo isso afeta a nossa psique. Logo, desequilibra o vata dosha.
Sabe o anticoncepcional que o ginecologista receita para reduzir os sintomas da síndrome pré-menstrual ou para “tratar” a endometriose? Ele também pode desequilibrar vata dosha. Afinal, mexe diretamente com a sua regulação hormonal.
A compulsão alimentar que vem no fim de um dia extenuante, em que você deu o seu melhor, mas seu trabalho não foi reconhecido? Também pode agravar vata dosha.
As parcas 5 ou 6 horas que você consegue dormir à noite, porque tem que levantar às 5h, preparar o café das crianças, arrumá-las para a escola, deixá-las na escola e ir para o trabalho? Também agravam vata dosha.
Quando nos voltamos para os Samhitas, Charaka nos diz que dormir em posições irregulares, suprimir as necessidades fisiológicas, uma higiene íntima inadequada (sabia que 500 milhões de pessoas que menstruam não têm acesso a produtos de higiene adequados?) , partos forçados (já ouviu falar de violência obstétrica, certo?), atividade sexual em posições inadequadas e alimentação inadequada, entre outros fatores, podem agravar vayu e, por conseguinte, levar a doenças ginecológicas.
Percebe como não é simples? Percebe como são inúmeros fatores envolvidos?
Você consegue compreender que a sociedade em que vivemos, a realidade em que vivemos, é o que nos adoece?
E o que você pode fazer com relação a isso? Autocuidado. Autoamor. Autocompaixão. Autorrespeito.
Compreender que nem sempre você será perfeita, mas que está fazendo o seu melhor.
Impor limites àquelas pessoas que acham que você tem que se exaurir diariamente para que elas tenham conforto — sejam filhos, pais, cônjuges ou patrões.
Buscar ajuda sempre que possível, descansar muito, amar suas qualidades e seus defeitos. Estender a mão para aquelas mulheres que também precisam de ajuda.
E nunca esquecer que Ayuh (vida) é a junção de sharira (corpo), indriya (sentidos), sattva (mente) e Atma (Alma). E o que mantém isso unido é vayu.
Obrigada por me ler até aqui e a gente se vê no próximo artigo.
Eve.